Saturday 5 December 2009

Ventos da Suiça

Foi o medo da Suíça tradicional que venceu a consulta dos minaretes, noticia o Público. E é o medo que tem, também, dominado as reacções à decisão saída do recente referendo na Suiça relativo à proibição da construção de Minaretes nas mesquitas.
Reacções que vão desde a mais primária idiotice, como a do ministro das finanças francês Bernand Kouchner ao interrogar-se se “Será que é uma ofensa num país de montanhas que haja uma construção um pouco mais elevada?” à mais preocupante, da Ministra dos Negócios Estrangeiros suiça, Micheline Calmy-Rey, ao afirmar que o voto “pôs a nossa segurança em risco”. É assim, parece que cada discussão relativa ao Islão, no espaço europeu, decorre hoje com uma espada apontada ao pescoço, de um medo de uma reacção similar à verificada aquando do caso das caricaturas de Maomé, na Dinamarca, ou pior. E são os próprios dirigentes europeus, com estes discursos de tiro no pé, a propiciar o espaço e a legitimidade para a reacção violenta. Casos como o do co-presidente da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu, Daniel Cohn-Bendit, ao apelar a que “os mais ricos dos países muçulmanos retirarem o seu dinheiro dos bancos suíços”.
Sejamos sérios: dificilmente se pode afirmar que um país do tamanho do Alentejo onde existem 180 mesquitas é um espaço onde a liberdade de culto não está salvaguardada. Um dos argumentos mais avançados é que só 4 dessas 180 mesquitas têm minaretes, e portanto estamos a falar de um não-problema dada a sua pequena dimensão. Mas se calhar há uma razão para essas 176 mesquitas não terem minaretes: elas não pertencem à configuração do espaço público europeu, e quem as construiu parece ter respeitado isso.
A cultura é vulgarmente definida como um sedimento de enunciados acumulados ao longo do tempo no seio de uma dada sociedade, e a arquitectura é sem dúvida um elemento constituinte da cultura e da definição da “identidade cultural” de uma cidade. É um privilégio que os cidadãos possam pronunciar-se quanto a alterações estruturantes na morfologia das suas cidades. É a democracia na gestão do espaço público a funcionar. Intrigam-me os grandes defensores da Democracia, que contra ela se erguem sempre que esta não produz os resultados por eles desejados. Mas foi assim que escolhemos viver: parece que é o pior dos sistemas, à excepção de todos os outros, certo?
A Europa oferece valores como a igualdade entre homens e mulheres de todas as raças e credos, os seus serviços públicos de educação, saúde e segurança. A Europa não tem de oferecer a sua história, a sua cultura ou a sua matriz identitária. Quando um membro do comité das Nações Unidas para a questão dos direitos humanos afirma que a proibição suiça “É o equivalente a banir os campanários das igrejas” quase que concordo com ele, com a pequena diferença que o que ele sugere é eliminar mais de mil anos de história e da matriz sobre a qual, gostemos ou não, se construiu a Europa.
Lê-se também no Público:

Consciente das críticas e das consequências, o Governo suíço, que se opôs à proibição, esforça-se por defender que “este voto não modifica em nada os objectivos de política externa da Suíça”, como afirmou a chefe da diplomacia, Micheline Calmy-Rey. “A Suíça mantém relações estreitas com todos os países muçulmanos”, sublinhou numa reunião da OSCE.

É das mais perigosas confusões que assolam o Ocidente, esta incompreensão de que a expressão “dialogar como iguais” não quer dizer que tenham de ser literalmente idênticas as partes em diálogo, mas simplesmente que estas se respeitam mutuamente. Não temos de fundir a nossa identidade com o Islão para dialogar com o Islão, como parecemos ter esquecido; devemos sim respeitar a cultura, a história e as tradições dos outros e exigir que estes respeitam igualmente a nossa. O diálogo só é impossível quando não há respeito mútuo pela opinião alheia, não quando há divergência nas opiniões expressas.
Enfim, o que também me preocupa é que num futuro não muito distante as mulheres europeias sejam proibidas de ostentar poderosos decotes ou saias e calções curtinhos, por tal constituir uma ofensa às práticas muçulmanas. E então, a minha vida perderia um dos seus enormes atractivos. Fico então mais feliz por viver actualmente na Alemanha, dado que, escreve ainda o Público:

Segundo o tablóide “Bild”, que reclama saber medir como nenhum outro o pulso aos alemães, estes votariam provavelmente da mesma forma que os suíços se tivessem a oportunidade. “O minarete não é só o símbolo de uma religião, mas de uma cultura completamente diferente. Grande parte do mundo muçulmano não partilha dos nossos valores europeus básicos: o legado da Iluminismo, a igualdade do homem e da mulher, a separação da Igreja e do Estado, um sistema de justiça independente da Bíblia ou do Corão”, escreve o diário.

1 comment:

Pedro said...

A dualidade de critérios por parte dos paises ocidentais neste assunto é gritante. Afinal, nos paises muçulmanos, é proibido ou bastante dificil construir igrejas : http://deathby1000papercuts.com/2008/07/survey-how-easy-to-build-a-christian-church-in-a-muslim-country/