Saturday 19 May 2007

Dias de Sol...



Um dia de Sol, após uma manhã de estudo no Conservatório, caminhava em direcção ao Chiado, cruzei-me com um miúdo pequeno e mulato que vinha de mão dada com a mãe em sentido contrário. Fiz-lhe uma festinha na cabeça, e ele virou-se para trás e agraciou-me com um dos sorrisos mais extraordinários de que guardo memória...

Já no metro, nas escadas rolantes, uma chinesa carregada de sacos pretos e o rosto cansado e desgastado de quem carrega um peso quotidiano ainda maior aos ombros... Resolvi voltar a tentar, e novo sorriso veio de volta.

Um dia de estudo de piano no conservatório deixava-me frequentemente assim. Nesses dias, sentia que tinha poderes mágicos, um inebriamento de dias de Sol muito vivo... Escusado será dizer que tenho muitas, muitas saudades desses tempos.

Parece impossível, mas só agora estou a descobrir Mahler como deve ser... O seu pensamento denso e extenso não é fácil de seguir, e os andamentos interiores, mais pequenos e fluidos, parecem-me ser por onde se deve começar...

O Scherzo da segunda sinfonia introduz um tema muito simples... Um duende viandante, de chapéu verde comprido, dobrado na ponta, andar descomprometido e gingão, sorriso afável e uma aura de inebriamento que obriga à cumplicidade.

Para Claudio Abbado, não há palavras.

Início...



Em Fevereiro de 2005 cheguei a Roma, onde iria permanecer por 5 meses para o meu Erasmus... Na bagagem, roupa, CD's e um livro, por onde esperava começar a aprender o italano que desconhecia por completo: "Conversazioni con Arrau".

Um mês depois, no terraço da Universidade, uma conversa de passagem, umas miúdas começam a rir-se de mim.. não percebi, indaguei o que se passava: pelos vistos, tinha empregue uma palavra demasiado literária!! É o que dá aprender uma lingua a ler um livro, não se adquire completamente o contexto do uso das palavras...

É dificil que um livro biográfico desta natureza não contenha algumas tiradas que soem um pouco artificiais, uma tentativa de "legado" marcante... Mas o livro, para um aspirante a pianista amador como eu, é globalmente bastante bom, ensinou-me mais do que italiano, apresentou-me a Arrau, ensinou-me mais um pouco de música, ensinou-me muito da prática e interpretação pianística.

Arrau é mestre em Beethoven, e para começar aqui fica este seu legado.
Beethoven, o universalista, numa linguagem de esperança.
Sonata Waldstein, 3º andamento...