Wednesday 31 October 2007

Ontem, na Gulbenkian…

O quarteto Vermeer ofereceu-nos uma óptima e muito equilibrada execução de três quartetos de cordas.

No quarteto para cordas nº22 K589, Mozart parece, como frequentemente, dizer-nos: “dá-me a mão e vem comigo”. Durante meia hora, sentimos a plenitude de uma criança de 7 anos de mão dada com o Pai, a passear num ambiente perfeitamente familiar, conhecido e reconfortante. É um todo orgânico, perfeitamente integrado, é o génio, pura e simplesmente, a respirar.

O quarteto para cordas nº1 de Leos Janácek é, neste sentido, diametralmente oposto. Janácek larga-nos numa cidade estranha, desconhecida, cuja língua não dominamos e cujas referências desconhecemos: onde nos sentimos, primeiro que tudo, agradavelmente perdidos. E também estrangeiros (como em Camus). Frequentemente, acabamos em vizinhanças esquisitas, talvez mesmo perigosas, onde poderemos mesmo ser assaltados (por muito maus pensamentos). Ainda assim, acabamos o dia com a deliciosa sensação de aventura e descoberta. É o sentimento mágico de vulnerabilidade. Janácek abre-nos a porta de um labirinto e convida-nos a entrar, com um pequeno gesto de mão e sorriso irónico e pequeno, dizendo “E então? Aventuras-te??”. Não nos espera do outro lado, não quer saber como correu. Não lhe interessa. O que se passa dentro do labirinto é uma aventura pessoal. Quase não conheço obras de Janácek (só tinha ouvido umas coisas para piano dispersas), mas sempre com esta sensação. É um compositor a descobrir.

A segunda parte… Sentamo-nos, já completamente dentro do concerto, e os primeiros sons agarram-nos imediatamente pela garganta e comprimem o nosso estômago. Estamos verdadeiramente na presença de um Mestre. Somos pequenos e estamos em face da maravilha e do Belo. Sim, esse mesmo, o da caverna. Espreita lentamente, e sai cá para fora. É sublime e é mágico. O Quarteto para Cordas N.º 15, em Lá menor, op. 132, de Beethoven, é contaminado pelo carácter testamentário das suas últimas obras. É um legado. Beethoven é grande, é muito grande, é o Maior.

Mal o Renato me ensine, deixarei aqui um excerto.